Novo RIISPOA: principais atualizações na área de lácteos
Nessas últimas semanas tivemos um avanço importantíssimo na legislação brasileira: a atualização do RIISPOA. A publicação do Decreto nº 9013 de 29 de março de 2017 renova grande parte das regras sobre a inspeção industrial e sanitária de produtos de origem animal. Com assuntos tão complexos e que têm impacto direto na saúde pública, o RIISPOA é extenso e a sua leitura detalhada pode ser bastante demorada. Para sintetizar as modernizações na área de lácteos, esse resumo agiliza e otimiza o tempo de estudantes e profissionais da área.
O primeiro ponto abordado é sobre o âmbito das legislações. O RIISPOA é um decreto, e como tal possui o objetivo de regulamentar a Lei nº 1.283, de 18 de dezembro de 1950 e a Lei nº 7.889, de 23 de novembro de 1989. Em outras palavras, o decreto detalha todos os pontos específicos para que haja a fiel execução da Lei.
Por sua vez, a Instrução Normativa 62 é complementar ao RIISPOA, e tem o objetivo de auxiliar a administração pública a organizar todas as suas atividades, vezes ou outra, com caráter normativo. Assim, a IN62 estabelece normas técnicas de produção, identidade e qualidade de leite bovino, enquanto o RIISPOA explica pormenorizadamente como a inspeção deve ser executada, disciplinando a fiscalização de todos os produtos de origem animal.
A estrutura do RIISPOA pouco mudou. Desde a década de 50 sempre foi dividido em Títulos, Capítulos, Seções, Subseções e seus Artigos. O Título I traz informações preliminares e já possui muitas diferenças em relação ao antigo Decreto. O novo RIISPOA deixa claro que a abrangência da inspeção inclui a verificação do bem-estar dos animais, dos programas de autocontrole, do controle de resíduos e da rastreabilidade, conceitos e definições inexistentes na antiga legislação.
O Título II do novo RIISPOA classifica todos os estabelecimentos de produtos de origem animal. No Capítulo IV temos a classificação dos estabelecimentos de leite e derivados, os quais podem ser classificados em:
(1) Granja leiteira, onde são produzidos, beneficiados e expedidos leite tipo A e também derivados;
(2) Posto de refrigeração, onde há seleção e armazenamento de leite cru;
(3) Usina de beneficiamento, onde há recepção de leite e industrialização de leite e derivados;
(4) Fábrica de laticínios, onde há recepção de leite e apenas fabricação de derivados; e;
(5) Queijaria, estabelecimentos rurais que fabricam queijos tradicionais com leite de produção própria. A classificação das propriedades rurais em “Estábulo Leiteiro” (para produção preferencial de leite tipo B) não existe mais, alinhando o novo RIISPOA à IN62. O termo “entreposto” também foi excluído.
O Título III do novo RIISPOA se refere aos registros dos estabelecimentos. Aqui o texto atual é mais sucinto e direto, sem minúcias de escala e cores de plantas baixas. A abordagem sobre os requisitos sanitários para exportação também é diferente, sendo que novo RIISPOA diz que as indústrias devem atender aos requisitos diretos dos países importadores, e não mais aos requisitos internos do DIPOA como no antigo Decreto.
As condições dos estabelecimentos estão descritas no Título IV. O novo texto é global e direciona particularidades para normas complementares. Assim, alturas de pé direito, distâncias e áreas mínimas, bem como os utensílios e equipamentos ganharam os adjetivos de “adequados, suficientes e apropriados”. Como no antigo decreto, as dependências de ordenha sempre devem ser separadas das dependências industriais.
A novidade é que as queijarias não necessitam ser filiadas à fábricas ou usinas. O decreto atual permite que a queijaria tenha autonomia própria, fazendo inclusive a rotulagem, armazenagem e expedição. Porém, quando a queijaria não realizar o processamento completo do queijo, a fábrica de laticínios ou usina de beneficiamento será corresponsável pela inocuidade e pela administração dos programas de sanidade do rebanho e de autocontrole. Vale lembrar que os requisitos para estabelecimentos de pequeno porte estão detalhados na Instrução Normativa no 5 de 2017 (MAPA). Para os estabelecimentos de leite e derivados, são considerados de pequeno porte aqueles com área inferior à 250 m² e recepção máxima de 2000 litros de leite ao dia.
Os procedimentos de inspeção propriamente ditos estão descritos no Título V. As normas para leite e derivados estão no Capítulo III. A frase clássica e poética permanece lá: “…entende-se por leite, sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas”. O restante da maioria do texto sofreu modificações e foi alinhado à IN62. A atualização faz referência aos tanques comunitários e à rastreabilidade do leite cru, vinculando essas responsabilidades aos estabelecimentos sob inspeção federal.
Em comparação ao antigo decreto, as especificações físico-químicas do leite mudaram, mas as alterações foram mínimas. Confira em detalhes:
Porcentagem de gordura mínima de 3%;
Porcentagem de proteína mínima de 2,9%;
Porcentagem de lactose mínima de 4,3%;
Porcentagem de sólidos não gordurosos mínima de 8,4%;
Porcentagem de sólidos totais mínima de 11,4%;
Acidez titulável entre 14 e 18 graus Dornic;
Densidade à 15ºC entre 1,028 e 1,034 g/mL;
Crioscopia entre -0,530oH e -0,555°H
Como você deve ter observado, todas essas características estão em consonância com a IN62. Apesar de o RIISPOA definir o leite em relação as suas características físico químicas, os requisitos estão detalhados na IN62. Ou seja, o RIISPOA define o que pode ser considerado leite e a IN62 normatiza os requisitos mínimos de qualidade. Portanto, as duas legislações são complementares e não conflituosas. Os parâmetros para CBT e CCS continuam a vigorar na IN62.
Ainda no Título V, o RIISPOA aborda as definições dos processos tecnológicos, permitindo tratamentos como resfriamento, congelamento, termização, pasteurização (lenta e rápida), processo de ultra alta temperatura (UHT) e esterilização. Os leites já beneficiados devem atender os requisitos de seus respectivos regulamentos técnicos. Vale lembrar que apenas granjas leiteiras e usinas de beneficiamento podem envasar leite para consumo.
O Título VI apresenta todos os padrões de qualidade e identidade dos produtos de origem animal. O leite e os derivados estão no Capítulo V. Segundo o novo RIISPOA, os leites fluídos estão classificados em: leite cru refrigerado; leite fluido a granel de uso industrial; leite pasteurizado; leite UHT; leite esterilizado; e leite reconstituído. O consumo e a comercialização do leite cru refrigerado continuam proibidos.
Por sua vez, os derivados lácteos estão classificados em três tipos: produtos lácteos; produtos lácteos compostos (quando a composição láctea é de no mínimo 50%); e misturas lácteas (quando a composição láctea é menor que 50%).
Portanto, tanto para leite fluído como para derivados, o texto atual extingue toda aquela classificação antiga conforme a finalidade, espécie, teor de gordura e tratamentos. Essas classificações existem, mas estão descritas nos regulamentos específicos de cada produto.
As demais Subseções do RIISPOA definem todos os derivados do leite, desde o creme de leite até os caseinatos e farinhas lácteas. São textos coesos com o único objetivo de fixar definições. A abordagem passada caracterizava minunciosamente toda a identidade desses produtos, com textos extensos, detalhados e com uma abordagem tecnológica e regulamentária. Sempre lembrando que o novo RIISPOA direciona particularidades para os regulamentos específicos de identidade e qualidade de cada derivado.
Os coagulantes (coalho de estômago de bezerros), sais, conservantes, corantes, condimentos não estão mais regulamentados no novo RIISPOA.
O Título VII abrange as embalagens, rotulagens e os carimbos de inspeção. No novo decreto, o registro de todos os produtos (formulação, fabricação e rotulagem) deve ser renovado a cada dez anos. O RIISPOA também detalha todo o processo para solicitar o registro de um produto. Além da descrição das matérias-primas e processos tecnológicos, também deve constar no pedido toda a relação dos programas de autocontrole do estabelecimento.
A regulamentação dos materiais das embalagens fica a cargo da ANVISA. Essa informação é explicitada no novo texto.
As principais atualizações sobre a rotulagem são os parágrafos sobre rastreabilidade e os cuidados com o apelo comercial. Os rótulos devem permitir a rastreabilidade dos produtos e são vedados qualquer tipo de comunicação que induza o consumidor com informações falsas. Além disso, os rótulos não podem destacar componentes intrínsecos dos produtos (exceto nos casos previstos em legislação específica) e não podem indicar propriedades medicinais. O uso de alegações de propriedade funcional deve ser previamente aprovado pela ANVISA.
Ainda, podemos destacar mais duas atualizações de rotulagem para os derivados lácteos:
(1) Queijos elaborados a partir de filtração por membrana podem ser denominados “queijos”, porém sem referência aos produtos fabricados convencionalmente.
(2) A farinha láctea deve apresentar no painel principal do rótulo o percentual de leite contido.
Os carimbos sofreram bastantes alterações em sua forma e tamanho. Vale a pena uma lida detalhada no texto completo publicado no Diário Oficial da União.
O Título VIII regulamenta as análises laboratoriais da inspeção. Além de atualizar termos inadequados, como germes e flora de contaminação, o texto traz o passo a passo da coleta e do envio do material para análise. Os fiscais devem coletar as amostras sempre em triplicata e enviar uma delas para o LANAGRO. As demais devem ser utilizadas como contraprova: uma entregue ao responsável pelo produto e a outra mantida pelo SIF local.
Outros pontos importantes são os cuidados com a autenticidade das amostras e a possibilidade da coleta ser feita estabelecimentos varejistas, o que pode facilitar a fiscalização do SIF.
O Título IX e X abordam respectivamente a reinspeção e o trânsito de produtos de origem animal. Nesse títulos não existem muitas novidades diretamente relacionadas à área de lácteos, mas há atualizações importantes sobre os trâmites burocráticos, procedimentos e mecanismos de fiscalização.
O Título XI trata das responsabilidades, medidas cautelares, infrações e penalidades. O novo texto detalha, define e diferencia todas as adulterações e falsificações. Na área de lácteos, o RIISPOA é taxativo, considerando impróprio para qualquer tipo de aproveitamento o leite cru, quando:
(I) provenha de propriedade interditada pela autoridade de saúde animal competente; (II) apresente resíduos de produtos inibidores, de neutralizantes de acidez, de reconstituintes de densidade ou do índice crioscópico, de conservadores, de agentes inibidores do crescimento microbiano ou de outras substâncias estranhas à sua composição;
(III) apresente corpos estranhos ou impurezas;
(IV) tenha colostro. Ultimamente há falsas notícias informando que o novo RIISPOA permite o uso de colostro para consumo, o que não condiz com a realidade.
Todas as penalidades foram atualizadas e as multas estão classificadas em quatro classes: leve, moderada, grave e gravíssima. A abordagem atual é muito mais rigorosa e inflexível comparada ao antigo decreto. Para termos uma ideia, a multa máxima pode chegar a 500 mil reais, enquanto no antigo RIISPOA a multa máxima era de 15 mil reais. Além de multas, o estabelecimento também fica sujeito a interdições e até a perda do selo de inspeção. Todas essas penalidades são pautadas em fatores agravantes ou atenuantes, que levam em consideração o histórico do estabelecimento.
Nas disposições finais e transitórias, o RIISPOA termina revogando todos os decretos que atualizavam a Lei nº 1.283 (de 18 de dezembro de 1950), inclusive a atualização de 2016 (Decreto nº 8.681, de 23 de fevereiro de 2016).
Assim, o novo RIISPOA está completamente alinhado à IN62 e aos demais regulamentos técnicos de identidade e qualidade específicos de cada produto. Finalizamos concluindo que as atualizações na área de lácteos foram consideráveis, estruturais e interessantes.
Fonte: MilkPoint