Como podemos aumentar o consumo de leite no Brasil?
Nos últimos 20 anos, houve grande crescimento da produção de leite no Brasil. Até 2013, o aumento da população do país e o aumento do consumo per capta, absorveu grande parte dessa demanda crescente, porém, nos últimos anos, com a redução no crescimento populacional e aumento pouco expressivo do consumo per capta, só existe 2 formas para que não haja uma tendência crescente de excedente de produção (e consequentemente queda no preço de leite) no país: aumentar o consumo interno ou, aumentar as exportações de leite. Neste artigo vamos abordar algumas estratégias que poderiam ser utilizadas para aumentar o consumo de leite no Brasil.
Produtos derivados lácteos atendem a uma considerável parcela da exigência diária de proteínas, vitaminas e minerais. Esses alimentos oferecem cálcio prontamente disponível para o fortalecimento dos ossos, principalmente durante a adolescência, onde aproximadamente 60% da massa óssea é adquirida. Porém, nas últimas décadas, o consumo de derivados lácteos pelos adolescentes vem perdendo espaço, por exemplo, para os refrigerantes. Em um estudo feito no Brasil, a prevalência de consumo de leite foi maior no sexo feminino, idosos, residentes da região sul, e entre os indivíduos de maior renda per capta (Possa et al., 2017).
Por uma questão nutricional da população e econômica do país, é de extrema importância que sejam estudados os fatores que aumentam o consumo de láteos em toda a população e principalmente nos adolescentes. Em uma revisão de literatura realizada por pesquisadores da Universidade de Guelph, Canadá (Marquez et al., 2015), foi avaliado a eficiência de diversas intervenções que buscavam aumentar o consumo de derivados lácteos entre os adolescentes.
Dezessete intervenções (de 16 publicações) foram avaliadas, dessas 11 (aproximadamente 69%) foram classificadas como eficientes. As intervenções foram avaliadas quanto a duração, frequência, intensidade e efeito negativo na dieta (Tabelas 1 e 2). A eficiência da intervenção também foi avaliada de acordo com a técnica usada para a mudança de comportamento (Tabela 3).
Tabela 1 – Características das intervenções realizadas para aumentar o consumo de derivados lácteos (“puros” ou misturados com outros alimentos) em adolescentes.
Tabela 2: Características de frequência e intensidade das intervenções associadas com a eficiência da intervenção.
Tabela 3: Técnica de mudança de comportamento associada à eficiência da intervenção.
As intervenções eficientes apresentaram maior intensidade. Isso também já foi observado em intervenções para aumento de consumo de leite em crianças. A diferença mais notável entre estudos eficientes e ineficientes, foi a duração da intervenção (a média da nota de duração das intervenções eficientes foi 4, das intervenções ineficientes foi 2). A maioria das intervenções com maior intensidade duraram de 6 meses a mais de 1 ano, enquanto que as intervenções ineficientes duraram 5 meses ou menos. Pequenas diferenças foram notadas nas categorias frequência, contato e alcance.
A única categoria em que as intervenções eficientes apresentaram menor intensidade, foi a de contato, que descreve o grau de personalização da intervenção, sendo que quanto mais personalizado o contato, maior a intensidade. Curiosamente, os resultados desta categoria sugerem que o contato individual com adolescentes não é necessário para que haja mudança no consumo de derivados lácteos, ou seja, atingir essas pessoas em grupo (por exemplo na escola) é o suficiente, isso é importante para o planejamento das intervenções.
Apesar de não ser uma técnica explicita de mudança comportamental, o uso de tecnologia nas intervenções merece atenção. Nessa e em outras revisões, as intervenções que usaram tecnologia (internet) apresentaram bons efeitos na eficiência da intervenção, pois podem auxiliar em algumas técnicas de mudanças comportamentais, como: fornecer informações gerais, revisão dos objetivos comportamentais, fornecer oportunidades para comparação social, e planejamento para uma mudança/apoio social. Considerando a crescente influência da internet e mídias sociais sobre o comportamento das pessoas, é de extrema importância que sejam esclarecidos alguns mitos e falsas crenças que possam afetar o consumo de derivados lácteos.
A revisão de literatura feita por Marquez et al. (2015), concluiu que foram identificadas algumas características de intervenções eficientes que resultaram no aumento de consumo de derivados lácteos (e/ou Cálcio), como revisão dos objetivos comportamentais, monitoramento e prática do próprio comportamento (hábito), dar feedback, promover oportunidades para comparação social, e ter breves conversas e aconselhamentos. Além disso, a intensidade da intervenção foi claramente associada à sua eficiência, principalmente em intervenções de maior duração.
E o que pode ser feito para atingir toda a população (inclusive fora do Brasil)?
· Educar as crianças para continuarem a beber leite durante toda a vida (o consumo cai conforme a idade aumenta).
· Enfatizar o valor nutricional dos derivados lácteos, aumentar a disponibilidade e satisfação dos consumidores.
· Atender às mudanças do padrão de consumo tradicional do leite, com variedade de sabores e inclusão no estilo de vida (por exemplo, bebidas de café da manhã).
· Associar uma dieta balanceada contendo derivados lácteos a atividades físicas.
· Promover cursos para educadores (professores).
· Promover integrações entre escola e fazenda.
· Inserir no currículo das escolas a discussão sobre os benefícios dos derivados lácteos.
· Ter produtos lácteos com diferentes teores de gordura.
· Ter leites flavorizados com baixos teores de açúcar.
· Conscientizar e educar adultos sobre o consumo insuficiente de Cálcio, e promover instruções específicas de como o hábito de consumir produtos lácteos pode ser inserido em suas vidas.
· Ter mensagens distintas para públicos distintos. Por exemplo: homens preferem informações com fatos bem embasados, mulheres preferem mensagens saudáveis e de bem-estar, e desaprovam apelos estéticos.
· Combinar leite e derivados lácteos com outras comidas.
· Atingir a família como um todo, não apenas a criança, engajando diretamente os pais.
· Aumentar o consumo de produtos lácteos em países com baixo consumo: a venda de leite embalado, ao invés de leite não embalado, direto para consumidores de outros países, pode aumentar o consumo de pessoas que já possuem o hábito de tomar leite.
· Ajustar as variedades de sabor para atender a diferentes paladares pode ser uma estratégia chave para aumentar o mercado em países como Índia e Paquistão.
· Inserir produtos lácteos como parte da dieta tradicional de alguns países, como China e Vietnã.
Marketing
A estratégia de marketing mais conhecida (e talvez mais impactante) que objetivou o aumento no consumo de derivados lácteos, foi a “Got Milk”. Essa “campanha” teve 3 fases principais:
Fase 1: aumentar o número de consumidores de leite associando-o a comidas, celebridades e ocasiões.
Fase 2: aumentar o consumo de leite em pessoas que já consumiam este produto. Através de uma imagem de que beber leite é legal e interessante!
Fase 3: desenvolvimento de novos produtos que utilizam leite, através de parcerias com grandes redes alimentícias (por exemplo, Macdonald’s).
Mais detalhes da campanha “Got Milk” e a viabilidade de marketing institucional no Brasil, podem ser conferidos nos seguintes endereços eletrônicos: (https://are.berkeley.edu/~sberto/2009Got_Milk.pdf); (https://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/editorial/marketing-institucional-para-aumentar-o-consumo-de-leite-no-brasil-93082n.aspx).
No Brasil, recentemente foi lançada uma campanha que objetiva aumentar o consumo de leite, a “Beba mais Leite” (http://www.bebamaisleite.com.br/), que está promovendo os benefícios do consumo de lácteos à saúde. Vamos torcer e apoiar esta iniciativa para obter bons resultados de conscientização dos brasileiros sobre o leite!
Por fim, pode-se concluir que existem diversas ações que podem ser realizadas com o objetivo de aumentar o consumo de derivados lácteos no Brasil. Talvez, ainda estejamos “engatinhando” nesse processo, pois ainda existe muita falta/falha de informação a respeito dos benefícios nutricionais do leite. Em grande parte do mundo, os benefícios na saúde promovidos pelos derivados lácteos são quase que inquestionáveis (não é à toa que a OMS recomenda um consumo de 200 litros/habitante/ano), porém no Brasil, parece que poucas mídias estão interessadas em falar a verdade (argumentos técnicos e pesquisas bem embasadas) sobre o leite.
Referências:
Marquez O., Racey M., Preyde M., Hendrie G., e Newton G. Interventions to increase dairy consumption in adolescents. 2015. ICAN: Infant, Child, & Adolescent Nutrition. Vol 7, Issue 5.
Possa G., Castro M., Sichieri R., Fisberg R., e Fisberg M. Consumo de lácteos e derivados no Brasil está associado com fatores socioeconômicos e demográficos: resultados do Inquérito Nacional de Alimentação 2008-2009. 2017. Rev. Nutr. vol.30 no.1 Campinas.
Fonte: Milkpoint